Em um cenário preocupante, o câncer já ocupa o lugar das doenças cardiovasculares como a principal causa de morte em algumas regiões do Brasil. Um estudo inédito, liderado por pesquisadores da Unifesp e realizado em colaboração com instituições como a Fundação Getúlio Vargas e a Universidade Federal de Uberlândia, revela uma mudança importante no padrão de mortalidade do país. A pesquisa foi recentemente publicada no renomado The Lancet Regional Health – Americas, destacando uma transição epidemiológica que já vem sendo observada em países desenvolvidos.
Os pesquisadores analisaram dados de 5.570 municípios brasileiros, coletados entre 2000 e 2019, pelo Sistema de Informações de Mortalidade. Além disso, foram estudadas as mortes prematuras — aquelas que ocorrem entre os 30 e 69 anos, que não estão diretamente relacionadas ao envelhecimento. Os resultados indicam que, enquanto as taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares caíram em 25 dos 27 estados, as mortes por câncer aumentaram em 15 estados.
Um dado alarmante é o crescimento do número de municípios onde o câncer já é a principal causa de morte, quase dobrando de 7% para 13% durante o período analisado. Além disso, enquanto a mortalidade por doenças cardiovasculares apresentou uma queda de quase 40%, a redução de mortes por câncer foi de apenas 10%.
Por Que o Câncer Está Ganhando Terreno?
A queda nas mortes por doenças cardiovasculares pode ser atribuída aos avanços no diagnóstico e tratamento, bem como a políticas públicas eficazes, como as campanhas antitabagismo, que tiveram grande impacto na redução de infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVCs). No entanto, o câncer é uma doença complexa, que engloba mais de 100 tipos com causas variadas, tornando sua prevenção e tratamento mais desafiadores.
Leandro Rezende, coordenador do programa de pós-graduação em Saúde Coletiva da Unifesp e um dos autores do estudo, explica que as doenças cardiovasculares tendem a responder melhor a mudanças no estilo de vida e a tratamentos preventivos. Por exemplo, o controle da pressão alta, do colesterol e do diabetes pode reduzir significativamente o risco de infarto e derrames. No entanto, muitos tipos de câncer não apresentam essa mesma resposta imediata a medidas preventivas, especialmente em casos de diagnóstico tardio, o que acaba dificultando o tratamento.
Desigualdades Regionais no Tratamento e Prevenção
O estudo também revela desigualdades gritantes entre diferentes regiões do Brasil. Enquanto as mortes por doenças cardiovasculares caíram em quase todo o país, os óbitos por câncer cresceram especialmente nas áreas mais pobres. Isso reflete a dificuldade de acesso a tratamentos especializados e diagnósticos precoces, que são essenciais para aumentar as chances de cura de muitos tipos de câncer.
Eduardo Segalla, cardiologista do Hospital Israelita Albert Einstein, ressalta que o acesso ao tratamento de doenças cardiovasculares, como infartos agudos, é mais rápido e acessível do que o diagnóstico precoce de cânceres comuns, como o de mama e de intestino. Ele também observa que os tratamentos cardíacos são geralmente menos complexos e mais baratos, enquanto os tratamentos oncológicos tendem a ser mais caros e centralizados em poucos centros de excelência.
O Desafio das Políticas Públicas e da Prevenção
A pesquisa também destaca a importância de políticas públicas específicas e direcionadas para cada região do país. Em estados como Amapá, Roraima e Acre, por exemplo, ainda há um aumento de mortes por doenças cardiovasculares, indicando a necessidade de intensificar campanhas preventivas e melhorar o acesso ao atendimento de saúde.
Os especialistas também defendem a adoção de políticas voltadas para a prevenção primária do câncer, incluindo campanhas de controle do tabagismo, redução do consumo de álcool e combate à obesidade, que é um fator de risco importante para diversos tipos de tumor. O estilo de vida moderno está diretamente ligado ao aumento de casos de câncer, e estudos mostram que até um terço das mortes por câncer poderiam ser evitadas com mudanças simples nos hábitos diários.
Enfrentar o Câncer Requer Ações Coletivas
O câncer está se tornando a principal causa de morte em algumas regiões do Brasil, exigindo uma resposta coordenada e eficaz por parte do sistema de saúde. Além de tratar os pacientes, é fundamental investir em medidas de prevenção e diagnóstico precoce, especialmente nas regiões mais carentes. O acesso igualitário à saúde, tanto para doenças cardiovasculares quanto para o câncer, é a chave para reduzir as disparidades e garantir uma melhor qualidade de vida para todos os brasileiros.
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